28.2.11

O DISCURSO DO REI

O Discurso do Rei foi o grande destaque do Oscar 2011, que teve a cerimônia de premiação realizada neste final de semana. Melhor filme, melhor direção, melhor roteiro original e melhor ator. Não vi o filme e não li o livro. Portanto, nada pretendo acrescentar ao que os amigos leitores viram e leram na mídia. Então, não vou falar do Discurso do Rei, mas de outro discurso, que guarda curiosa semelhança com o título e com o lado inusitado daquela história. Hoje quero falar do Discurso do Embaixador.
Trata-se de um suposto discurso pronunciado pelo Embaixador do México junto às Nações Unidas, numa Assembléia do fim dos anos 60. Quase meio século depois do pronunciamento, o equilíbrio de forças internacionais é outro, o contexto político se transformou e as cores ideológicas passaram por mudanças. Mas o discurso parece hoje tão ou mais oportuno e contundente do que à época em que foi ouvido pela primeira vez.
Convido o leitor a acomodar-se na cadeira e gastar alguns minutinhos com esse discurso. É indispensável que leia até o final.
O texto abaixo é uma tradução livre (original em castelhano) realizada pelo amigo José Chirivino Álvares.


"Coube-me, por sorte, ser o último orador.
Isso muito me agrada, pois assim os pego cansados.
Não obstante, sei que apesar da insignificância do meu país – que não tem poderio militar, nem político, nem econômico, nem muito menos atômico, todos os Senhores esperam com grande interesse minhas palavras já que do meu voto depende o triunfo dos Verdes ou dos Vermelhos.
Senhores Representantes:
Estamos passando por um momento crucial em que a humanidade se enfrenta ante essa mesma humanidade.
Estamos vivendo um momento histórico em que o homem científica e intelectualmente é um gigante, mas moralmente é um pigmeu.
A opinião mundial está tão profundamente dividida em dois grupos aparentemente irreconciliáveis, que ocorre o caso de que um só voto, o voto de um país fraco e pequeno, pode fazer que a balança penda para um ou para o outro lado.
Estamos, portanto, numa grande gangorra. Com um lado ocupado pelos Verdes e com o outro ocupado pelos Vermelhos.
E agora chego eu, que sou peso-pluma, e do lado que me colocar, para lá penderá a balança!
Façam-me o favor!
Os Senhores não creem que é muita responsabilidade para um só cidadão? E porque também não considero justo que a metade da humanidade – seja qual for ela – venha a ser condenada a viver sob um regime político e econômico que não é de seu agrado, somente porque um frívolo embaixador votou – ou que o tenham feito votar – num sentido ou no outro.
E é por isso que não votarei em nenhuma das duas teses (ouvem-se vozes de protesto no plenário).
E não votarei em nenhuma das duas teses, por três razões:
Primeira, porque – repito - não seria justo que um só voto de um só representante – que poderia neste momento estar doente do fígado – venha a decidir os destinos de cem nações. Segunda, porque estou convencido de que os procedimentos - repito e sublinho: os procedimentos dos Vermelhos (os países comunistas) são desastrosos (ouvem-se vozes de protesto dos Vermelhos e aplausos dos Verdes). E Terceira, porque estou convencido de que os procedimentos dos Verdes (os Estados Unidos da América) tampouco são os mais bondosos que se possa ter (agora, ouvem-se protestos dos Verdes e aplausos dos Vermelhos).
E se não se calarem imediatamente, não sigo com o discurso e os Senhores ficarão com a curiosidade de saber o que eu tinha para lhes dizer. Insisto que falo de procedimentos e não de idéias e nem de doutrinas.
Para mim todas as idéias são respeitáveis, ainda que sejam “ideiazinhas” ou “ideiazonas” e mesmo que eu não esteja de acordo com elas.
O que pensa esse Senhor, ou esse outro Senhor, ou aquele Senhor, ou esse de bigodinho que já não pensa nada porque já está dormindo, nada disso impede que sejamos, todos nós, bons amigos. Todos cremos que nossa maneira de ser, nossa maneira de viver, nossa maneira de pensar e até o nosso modo de andar são os melhores; e esse modelo tratamos de impô-lo aos demais e, se não os aceitam, dizemos que 'são isso ou são aquilo' e, imediatamente, entramos em desinteligências.
Os senhores acham que isso está correto?
Tão fácil seria a vida se ao menos respeitássemos o modo de viver de cada um. Faz cem anos que disse uma das figuras mais humildes, mas mais importantes do nosso continente:
'O respeito ao direito alheio é a paz' (aplausos). É disso que eu gosto! Não que me aplaudam, mas que reconheçam a sinceridade das minhas palavras.
Estou de acordo com tudo o que disse o Senhor Representante da Salsichônia com humildade(N.T.: referência à Alemanha) ; com humildade de pedreiros independentes devemos lutar para derrubar a barreira que nos separa; a barreira da incompreensão; a barreira da mútua desconfiança; a barreira do ódio. E no dia em que conseguirmos, poderemos dizer que voamos por cima da barreira (risos).
Mas não a barreira das idéias, isso não, nunca! No dia em que pensarmos iguais, atuarmos iguais, deixaremos de ser homens para converter-nos em máquinas, em autômatos. Esse é o grave erro dos Vermelhos, o querer impor pela força suas ideias e seu sistema político e econômico. Falam de liberdades humanas, mas eu lhes pergunto: existem essas liberdades em seus próprios países?
Dizem defender os Direitos do Proletariado, mas seus próprios trabalhadores nem sequer possuem o direito fundamental à greve. Falam da cultura universal ao alcance das massas, mas encarceraram os seus escritores porque eles se atrevem a dizer a verdade. Falam da livre determinação dos povos e, no entanto, há cem anos oprimem uma série de nações sem permitir-lhes que se dêem uma forma de governo que mais lhes convenham.
Como podemos votar por um sistema que fala de dignidade e, ato contínuo, atropela o mais sagrado da dignidade humana, que é a liberdade de consciência, eliminando ou pretendendo eliminar a Deus por decreto?
Não, senhores representantes, eu não posso estar com os Vermelhos ou, melhor dizendo, com sua maneira de atuar. Respeito seu modo de pensar, mas não posso dar meu voto para que seu sistema se implante pela força em todos os paises da Terra (ouvem-se vozes de protesto).
Aquele que quiser ser Vermelho que o seja, mas que não pretenda tingir os demais (os Vermelhos se levantam para sair da Assembléia).
Um momento, jovens! Senhores! Por que tão sensíveis? Os senhores não agüentam nada, não? Eu ainda não terminei. Voltem aos seus lugares.
Sei que estão acostumados a abandonar essas reuniões quando ouvem algo que não é de seu agrado; mas não terminei.
Voltem aos seus lugares, não sejam precipitados, ainda tenho que dizer algo sobre os Verdes.
Os senhores gostariam de ouvir? Sentem-se!
Agora, meus queridos colegas Verdes. O que disseram os Senhores?
- Já votou por nós? Não?
Pois não, jovens. Não votarei por vocês porque vocês também têm muita culpa por tudo que acontece no mundo. Vocês são soberbos como se o mundo fosse só de vocês e que os demais tivessem uma importância apenas relativa. E ainda que falem de paz, de democracia e de coisas muito bonitas, às vezes também pretendem impor sua vontade pela força e pela força do dinheiro.
Estou de acordo que devamos lutar pelo bem coletivo e individual; que devamos combater a miséria; que devamos resolver os tremendos problemas de habitação, do vestir e do sustento.
Mas não estou de acordo é com a forma que vocês pretendem resolver esses problemas. Vocês também sucumbiram ante o materialismo, esqueceram os mais belos valores do espírito. Pensando somente nos negócios, pouco a pouco foram se convertendo nos credores da humanidade e, por isso, a humanidade lhes vê com desconfiança.
No dia da inauguração desta Assembléia, o Senhor Embaixador da 'Ladarônia' disse que o remédio para todos os nossos males estava em ter automóveis, refrigeradores, televisores. E eu me pergunto: para que queremos automóveis se ainda andamos descalços? Para que queremos refrigeradores se não temos alimentos para colocar neles? Para que queremos tanques e armamentos se não temos escolas para nossos filhos? (aplausos)
Devemos lutar para que o homem pense na paz, mas não somente impulsionado pelo seu instinto de conservação, se não, e fundamentalmente, pelo dever que tem de superar-se e de fazer do mundo um local de paz e tranquilidade cada vez mais digno da espécie humana e de seus altos destinos.
Mas essa aspiração não será possível se não houver abundância para todos; bem-estar comum, felicidade coletiva e justiça social.
É verdade que está em suas mãos - dos países poderosos da terra, Verdes e Vermelhos -, o ajudar a nós, os fracos, mas não com presentes, nem com empréstimos, nem com alianças militares. Ajudem-nos pagando preços mais justos, mais eqüitativos por nossas matérias-primas; ajudem-nos dividindo conosco seus notáveis avanços na ciência, na tecnologia. Não para fabricar bombas, mas para acabar com a fome e com a miséria (aplausos).
Ajudem-nos respeitando nossos costumes, nossas crenças, nossa dignidade como seres humanos e nossa personalidade como nações, por pequenos e frágeis que sejamos.
Pratiquem a tolerância e a verdadeira fraternidade, e nós saberemos corresponder-lhes. Mas deixem imediatamente de tratar-nos como simples peões no tabuleiro de xadrez da política internacional.
Reconheçam-nos como o que somos, não somente como clientes ou como ratos de laboratório, mas como seres humanos que sentem, sofrem e choram.
Senhores representantes, existe outra razão a mais por que não posso dar meu voto:
faz exatamente vinte e quatro horas que apresentei minha renúncia como Embaixador do meu país.
Espero que seja aceita.
Consequentemente, não lhes falei como Excelência, mas como um simples cidadão; como um homem livre; como um homem qualquer; mas que, não obstante, crê interpretar ao máximo as aspirações de todos os homens da Terra; as aspirações e os desejos de viver em paz; o desejo de ser livres; o desejo de entregar aos nossos filhos e aos filhos de nossos filhos um mundo melhor; em que reine a boa vontade e a concórdia.
E que fácil seria, senhores, alcançar esse mundo melhor em que todos os homens brancos, negros, amarelos e pardos, ricos e pobres pudessem viver como irmãos. Se não fôssemos tão cegos, tão obcecados, tão orgulhosos. Se apenas orientássemos nossas vidas pelas sublimes palavras que, faz dois mil anos, disse aquele humilde carpinteiro da Galiléia, simples, descalço, sem fraque nem condecorações:
“Amai-vos, amai-vos uns aos outros!”
Mas, lamentavelmente vocês entenderam mal, confundiram os termos.
E o que fizeram? E o que fazem? “Armam-se uns contra os outros!”
Tenho dito!
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Nota do editor: o pronunciamento acima é trecho de um filme em que o comediante mexicano Mario “Cantinflas” Moreno faz o papel de Embaixador.
Por ocasião do Oscar 2011, a homenagem deste Blog ao grande artista do humor simples e ingênuo. 
Agradecimentos especiais a José Chirivino Álvares.

10.2.11

EXPRESSÕES POPULARES: TESTE SEUS CONHECIMENTOS

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FORMA CORRETA:

1) Esse menino não pára quieto, parece que tem bicho no corpo inteiro.
Ainda não se conhece algum bicho que tenha habilidades de carpinteiro.


2) Quem tem boca vaia Roma.
Curioso é que a forma distorcida também faz algum sentido. Afinal, quem tem boca se comunica e chega lá... Mas na origem é outra coisa. Na expressão correta, o verbo é vaiar. Acredita-se que a expressão se refira a uma exortação à crítica política na época de Roma antiga.


3) Quem não tem cão caça como gato.
Você já viu alguém sair para caçar com a ajuda de um gato? Gato caça sozinho. Por isso, caçar como gato significa caçar sozinho.


4) Batatinha quando nasce espalha rama pelo chão.
Batatinha nasce na superfície da terra? É a rama que se espalha pelo chão, não a batatinha.


5) Enfiar o pé no jacá.
Não adianta argumentar que a expressão "pé na jaca" inspirou até nome de novela. Pode ter inspirado, mas de modo errado e até ridículo. Acontece que, em velhos tempos, os tropeiros paravam para fazer compras na venda. Aproveitavam para tomar uma cachaça e, quando bebiam muito, atrapalhavam-se na hora de ir embora. Colocavam um pé no estribo e, ao jogar a outra perna para montar, pisavam no jacá, o cesto em que as mercadorias eram carregadas. Era uma grande trapalhada, que podia acabar em tombo! Portanto, a jaca nada tem a ver com esse pé.


6) É a cara do pai em carrara esculpido.
Que idéia absurda escarrar e cuspir em alguém para realçar uma semelhança! Mas a história é bem diferente.  Carrara fica na Itália, e o mármore produzido pela cidade é exportado para o mundo todo. O mármore de carrara é famoso desde a Roma Antiga, quando foi utilizado na construção do Panteão. Além disso, muitas esculturas do Renascimento foram esculpidas em mármore de carrara, pois a qualidade deste resultava em maior semelhança com a imagem esculpida. Existe ainda uma teoria mais simples, segundo a qual a forma correta seria "encarnado e esculpido". Uma coisa é certa: a versão popular, aquela anti-higiênica, não é correta.


7) Corro de burro quando foge.
Ao fugir, um burro pode ficar impetuoso e indelicado, mas nunca mudará a cor. Logo, não faz sentido dizer "cor de burro quando foge".


ORIGEM E SIGNIFICADO DE OUTRAS EXPRESSÕES POPULARES


Sem eira nem beira: antigamente,as casas das pessoas ricas tinham um telhado triplo: a eira, a beira e a tribeira, como era chamada a parte mais alta do telhado.Isso dava status ao dono do imóvel, símbolo de riqueza e de cultura. As casas mais pobres tinham tribeira, mas não tinham eira nem beira.
Nas coxas: antigamente, a fabricação artesanal de telhas de argila no Brasil empregava como molde as coxas dos próprios escravos que as produziam. Mas como os escravos variavam de tamanho e porte físico, as telhas ficavam desiguais. Daí a expressão "fazer nas coxas", que significa fazer de qualquer jeito.

Casa da mãe Joana: existem pelo menos duas explicações para essa expressão. Uma delas tem relação com a Itália e diz que Joana, rainha de Nápoles e condessa de Provença (1326-1382), liberou os bordéis em Avignon, onde estava refugiada, e mandou escrever nos estatutos: “que tenha uma porta por onde todos entrarão”. O lugar ficou conhecido como Paço de Mãe Joana, em Portugal. Ao vir para o Brasil a expressão virou “Casa da Mãe Joana”. Uma outra explicação revela que os homens mais poderosos do Brasil costumavam se encontrar num prostíbulo do Rio de Janeiro, na época do Brasil Império. Joana era a proprietária, mas não havia como mandar na casa que recebia homens que mandavam e desmandavam no país e em tudo o mais. A expressão ficou conhecida como sinônimo de lugar em que ninguém manda.
Conto do vigário: duas igrejas situadas em Ouro Preto, segundo algumas versões, receberam uma imagem de santa como presente. Para decidir qual delas ficaria com a escultura, os vigários resolveram contar com a ajuda de um burro. Colocaram o animal entre as duas paróquias, para que ele caminhasse em direção a uma delas. Assim foi feito e a escolhida pelo quadrúpede ficou com a santa. Acontece que, mais tarde, descobriram que um dos vigários havia treinado o burro para seguir o caminho de sua igreja. Por isso, conto do vigário passou a ser sinônimo de falcatrua e malandragem.
Voto de Minerva: Orestes, filho de Clitemnestra, foi acusado pelo assassinato da mãe. No julgamento, houve empate entre os jurados. Coube à deusa Minerva o voto decisivo, que foi em favor do réu. Voto de Minerva é, portanto, o voto decisivo.
Ficar a ver navios: Essa remete a lições de história. Dom Sebastião, rei de Portugal, morreu na batalha de Alcácer-Quibir, mas seu corpo não foi encontrado. A partir de então (1578), o povo português esperava sempre o sonhado retorno do monarca. Vale lembrar que em 1580, em função da morte de Dom Sebastião, abriu-se uma crise sucessória no trono vago de Portugal. A conseqüência dessa crise foi a anexação de Portugal à Espanha (1580 a 1640), governada por Felipe II. Evidentemente, os portugueses sonhavam com o retorno do rei, como forma salvadora de resgatar o orgulho e a dignidade da pátria lusa. Em função disso, o povo passou a visitar com freqüência o Alto de Santa Catarina, em Lisboa, esperando, ansiosamente, o retorno do dito rei. Como ele não voltava, o povo ficava apenas a ver navios.


Não entender patavinas: dizem que Tito Lívio, natural de Patavium (hoje Pádova, na Itália), tinha um latim horroroso, originário de sua região. Nem todos entendiam. Daí surgiu o Patavinismo, que originariamente significava não entender Tito Lívio. Não entender patavina significava não entender nada.
Dourar a pílula: antigamente as farmácias embrulhavam as pílulas em papel dourado, para melhorar o aspecto do remédio amargo. A expressão dourar a pílula significa melhorar a aparência de algo.
O canto do cisne: acreditava-se que o cisne emitia um canto especial, muito bonito, quando estava para morrer. A expressão “canto do cisne” representa as últimas realizações de alguém.

Pior cego é o que não quer ver: a explicação mais consistente remonta a fatos históricos. Em 1647, em Nimes, na França, na universidade local, o doutor Vicent de Paul D’Argenrt fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão de nome Angel. Foi um sucesso da medicina da época, menos para Angel, que assim que passou a enxergar ficou horrorizado com o mundo que via. Disse que o mundo que ele imagina era muito melhor. Pediu ao cirurgião que arrancasse seus olhos. O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa e entrou para a história como o cego que não quis ver. A expressão se refere a alguém que não quer ver o que está bem à sua frente.

Andar à toa: toa é a corda com que uma embarcação remboca a outra. Um navio que está “à toa” é o que não tem leme nem rumo, indo para onde o navio que o reboca determinar. Uma mulher à toa, por exemplo, é aquela que é comandada pelos outros. Jorge Ferreira de Vasconcelos já escrevia, em 1619: Cuidou de levar à toa sua dama.


Onde judas perdeu as botas: depois de trair Jesus e receber 30 dinheiros, Judas caiu em depressão e culpa, vindo a se suicidar, enforcando-se numa árvore. Acontece que ele se matou sem as botas. E os 30 dinheiros não foram encontrados com ele. Logo os soldados partiram em busca das botas de Judas, onde, provavelmente, estaria o dinheiro. A história é omissa daí pra frente. Nunca saberemos se acharam ou não as botas e o dinheiro. Mas a expressão atravessou vinte séculos.


Nhen-nhen-nhén: significa conversa interminável, em tom de lamúria, irritante, monótona. Resmungo, rezinga. Nheë, em tupi, quer dizer falar. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, os indígenas não entendiam aquela falação estranha e diziam que os portugueses ficavam a dizer “nhen-nhen-nhen”.


Pensando na morte da bezerra: significa estar distante, pensativo, alheio a tudo. A origem é bíblica. O bezerro era adorado pelos hebreus e sacrificados para Deus num altar. Quando Absalão, por não ter mais bezerros, resolveu sacrificar uma bezerra, seu filho menor, que tinha grande carinho pelo animal, se opôs. Em vão. A bezerra foi oferecida aos céus e o garoto passou o resto da vida sentado do lado do altar “pensando na morte da bezerra”. Consta que meses depois veio a falecer.
Santinha do pau oco: pessoa que se faz de boazinha, mas não é. Nos século XVIII e XIX, os contrabandistas de ouro em pó, moedas e pedras preciosas utilizavam estátuas de santos ocas por dentro. O santo era “recheado” com preciosidades roubadas e enviado para Portugal.
Vá se queixar ao bispo: boas fontes explicam que, no tempo do Brasil colônia, por causa da necessidade de povoar as novas terras, a fertilidade na mulher era um predicado fundamental. Em função disso, elas eram autorizadas pela Igreja a transar antes do casamento (!), única maneira de o noivo verificar se elas eram realmente férteis. Ocorre que muitos noivos faziam o teste e depois caíam fora (quem sabe, para testar outras noivas). As mulheres enganadas iam queixar-se ao bispo, que mandava homens atrás do fujão.
Chato de galocha: os chatos continuam a existir, ao contrário do acessório que deu origem a essa expressão. A galocha é um tipo de calçado de borracha colocado por cima dos sapatos para reforçá-los e protegê-los da chuva e da lama. Por isso, há uma hipótese de que a expressão tenha vindo da habilidade de reforçar o calçado. Ou seja, o chato de galocha seria um chato resistente e insistente, explica Valter Kehdi, professor de Língua Portuguesa e Filologia da Universidade de São Paulo. De acordo com Kehdi, há ainda a expressão chato de botas, calçados também resistentes, o que reafirma a idéia do chato reforçado.


Do arco-da-velha: coisas do arco-da-velha são coisas inacreditáveis, absurdas. Arco-da-velha é como é chamado o arco-íris em Portugal, e existem muitas lendas sobre suas propriedades mágicas. Uma delas é beber a água de um lugar e devolvê-la em outro - tanto que há quem defenda que “arco-da-velha” venha de arco da bere (”de beber”, em italiano).


Eles que são brancos, que se entendam: significa que alguém não quer tomar partido em determinada questão. Conta-se que, no século XVIII, um mulato, capitão de regimento, teve uma discussão com um de seus comandados e queixou-se a seu superior, um oficial português. O capitão reivindicava a punição do soldado que o desrespeitara. Como resposta, ouviu do português a seguinte frase: "Vocês que são pardos, que se entendam". O oficial ficou indignado e recorreu à instância superior, na pessoa de dom Luís de Vasconcelos (1742-1807), 12º vice-rei do Brasil. Ao tomar conhecimento dos fatos, dom Luís mandou prender o oficial português, que estranhou a atitude do vice-rei. Mas, dom Luís se explicou: "Nós somos brancos, cá nos entendemos."

Texto e pesquisa: Ricardo Zani.